Direto de Miami | Por Chris Delboni
Miami está se tornando cada vez mais a cidade favorita de tantos brasileiros que estão se mudando para os Estados Unidos e comprando imóveis aqui, muitas vezes em dinheiro vivo. E muitos ainda acham relativamente barato, em comparação ao Brasil, pela facilidade de um financiamento de 30 anos com juros fixos baixíssimos.
Mas a história é complemente outra para professores — americanos, haitianos, brasileiros e de qualquer outra nacionalidade — que moram e trabalham aqui, e dependem do salário para pagar o aluguel ou financiamento de sua casa própria.
Segundo um novo estudo publicado recentemente, um professor em Miami, com 5 anos de experiência, deixa 50% do salário no aluguel. E com 10 anos de experiência, 64% do que ganha usa para pagar a moradia, isso sem falar nos gastos de luz, telefone, água, carro, alimentação e outros.
E Miami ainda não é a pior cidade para os professores, de acordo com a pesquisa do grupo “Apartment List”, que avalia o mercado de aluguel de imóveis e estudou a relação com o salário de professores em 50 cidades americanas. A pior é São Francisco, na Califórnia, que 73% do salário de professores com 10 anos de experiência fica no aluguel. Depois vem Nova York, Seattle em Wisconsin, e Miami em quarto lugar.
Apesar do baixo salário, os professores ficam na profissão pelos alunos. Downtown Doral Charter Elementary School
A americana Laura Cabrera tem 44 anos, professora há 18, 13 deles na Ada Merritt, uma escola publica na cidade, a primeira bilíngue inglês – português.
Ela ganha US$45 mil por ano (bruto), ou cerca de US$3,750 por mês – e paga US$1,325 de aluguel. O marido trabalha para FedEx, e eles tem uma filha adolescente, de 13 anos. Até hoje, nunca tiveram condições de comprar a casa própria.
“Adoraríamos poder dar para nossa filha uma casa própria. Não precisaria ser uma mansão. Estaríamos felizes com um apartamentinho”, diz. “Mas não temos dinheiro para a entrada.”
Para ajudar na renda, ela dá aula particular cinco dias na semana.
O que também é o caso de Ray Louis, haitiano, 53 anos, que descobriu a paixão pelo ensino durante uma viagem para Recife, em 1995, acompanhando sua namorada na época. Lá sua experiência foi o oposto. Tinha crescido em Boston, bem preparado com mestrado em história da arte, e chegando no Brasil teve a oportunidade de dar aula de inglês numa escola ligada ao consulado americano.
Se lembra que “ganhava muito bem”, como $1,700 da moeda local na época, e pagava um aluguel de $200.
“Levava uma vida muito boa”, diz saudoso. “Foi no Brasil que vi a diferença que estava fazendo com os alunos.”
A namorada virou ex, voltou para os EUA, e ele acabou ficando até 2001. Casou com uma brasileira de Olinda, e depois de 6 anos de Brasil, mudaram-se para Miami, o cantinho brasileiro na América do Norte. Aqui ele continuou dando aula de inglês nas escolas públicas e no Miami Dade College, de nível universitário. Mas não dava para pagar as contas.
Hoje ele trabalha de dia como analista de contratos para a cidade de Miami, de onde vem sua maior renda, mas de noite ainda dá aula de inglês num programa especial do estado para refugiados políticos de países como Cuba, Venezuela e Haiti, por exemplo. Ele recebe US$25 por hora, e não é permitido trabalhar mais do que 20 horas por semana.
“Não poderia viver somente disso. Impossível”, diz. “Com a média do aluguel de US$1,200-1,500, como alguém pode morar em um lugar bom?”
Mas mesmo assim, ele não consegue deixar por completo o ensino. “É um estimulo intelectual poder fazer a diferença na vida das pessoas.”
E é essa paixão pela educação que muitos professores trazem para a profissão.
Adriane Silva é professora da Downtown Doral Charter Elementary School e coordenadora do programa de português da nova escola bilíngue da região, onde alunos estudam todas as matérias em inglês e um segundo idioma – espanhol ou português.
A média dos salários, dependendo da experiência, é entre US$45 mil e US$48 mil por ano, cerca de US$4,000 por mês.
“Imagine com esse salário, você gastando US$2,000 de aluguel? É muito dinheiro, e não é uma vida muito confortável”, diz Adriane, cuja situação é um pouco diferente. Ela e o ex-marido, que vieram de Brasília em 1996, tiveram condições de comprar uma casa própria. “No meu caso, é como se ganhasse o dobro do salário.”
A professora Adriane Silva é coordenadora do programa de português da Downtown Doral Charter Elementary School.
Mas a professora confessa que nunca realmente discutiu essa questão com os colegas.
“A qualidade dos professores na nossa escola é ótima. São competentes e dedicados independente do salário”, diz. “Como a gente trabalha tanto, temos pouco tempo para saber dos problemas financeiros dos colegas.”
Já Anete Arslanian, que também tem uma situação financeira confortável, com casa própria, se preocupa com os jovens educadores.
“Os alugueis aqui são muito caros, o custo de vida em Miami está muito caro e o salário de um professor muito baixo. Estou preocupada com quem está começando”, diz uma das pioneiras do ensino de português no sul da Flórida, que depois de duas décadas ensinando em escola pública ainda mantém a mesma paixão do inicio de carreira.
“Amo o que faço, nasci para lecionar”, diz Anete, que criou o primeiro programa de português numa escola da região, Miami Beach Senior High School, onde dá aula até hoje, e fundou — e hoje é vice presidente — a AOTP – Organização Americana de Professores de Português, com mais de 400 membros no mundo inteiro.
E é esse senso de missão que esses professores tem em comum, apesar das dificuldades financeiras.
“Se você busca uma vida confortável, essa profissão provavelmente não é para você”, diz Laura. “Mas não estamos nela pelo dinheiro. Com todos os desafios que enfrentamos, amo minhas ‘crianças’, amo meu trabalho.”
Serviço:
Para ler a pesquisa completa do Apartment List (em inglês): https://www.apartmentlist.com/rentonomics/teacher-salaries-rental-affordability/
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