*Fotos de Carla Guarilha
O Maestro João Carlos Martins tocou piano, pela primeira vez no exterior, depois de uma delicada cirurgia que realizou, recentemente, no cérebro. A cidade palco foi Fort Lauderdale, perto de Miami, onde recebeu a principal categoria do maior prêmio de brasileiros fora do país – Brazilian International Press Awards “Lifetime Achievemet”.

Carlos Borges, criador e presidente do Press Awards, que existe há 15 anos nos Estados Unidos, e em 2011, estreou também no Reino Unido e no Japão, coordena coletiva de imprensa com o ator homenageado, Marcelo Serrado, que fez o personagem Crodoaldo Valério, o Crô, na novela Fina Estampa, e dois grandes premiados do ano, o ator Juca de Oliveira e maestro João Carlos Martins.
Aqui, ele conversou com a coluna Direto de Miami sobre sua vida repleta de conquistas, mas também de enormes dificuldades.
Para quem não conhece a história dessa incrível personalidade, João Carlos Martins começou a tocar piano com 8 anos. Aos 21, já lotava o Carnegie Hall, em Nova York.
Sua trajetória de superação foi marcada por dois grandes eventos: em 1966, perdeu o movimento da mão direita em decorrência de um acidente jogando futebol nos Estados Unidos e, 30 anos depois, um assalto na Europa também lhe tirou os movimentos da mão esquerda. Para muitos, essa poderia ser razão mais do que suficiente para desistir. Mas não para João Carlos Martins, que se reinventou profissionalmente há sete anos, depois de receber uma mensagem espiritual, e recomeçou sua carreira de músico, na regência.
O pianista e maestro, que já foi tema do enredo da escola de samba Vai-Vai, serviu de inspiração também para o mais novo personagem de Mauricio de Sousa na Turma da Mônica, o Maestrinho – batizado de Joca, que é seu apelido na vida real.
Ele espera que a Fundação Bachiana Filarmônica forme mil orquestras jovens no Brasil a médio prazo – e já começa a pensar em criar outras no exterior, inclusive na Flórida, onde existe uma enorme concentração de brasileiros.
Agora, uma curiosidade: a única coisa que ele ainda não fez — e gostaria — seria abrir uma Copa do Mundo.
Quem sabe esse sonho também não está próximo?
Leia a entrevista na integra:
Direto de Miami: Como consegue se reinventar, renascer tantas vezes?
Maestro João Carlos Martins: Eu acho que uma pessoa, de cada adversidade, tem uma plataforma pra tentar construir seu legado ou seu caminho para o abismo. Eu sempre procuro usar essa plataforma para criar alguma coisa.
DM: De onde vem essa força?
JCM: Muita gente chama de superação. Eu chamo de teimosia. Eu acho que uma pessoa quando nasce é como uma flecha. Ela vai alcançar o seu destino. Pode acontecer mil e uma coisas, mas ela tem que correr sua trajetória e cumprir sua missão. Minha flecha está indo para direção certa.
DM: O senhor é espirita?
JCM: Não. Mas minha mãe era. Eu acredito no espiritismo. Não frequento, mas vivo os valores. Eu acho que o que estou passando nesta encarnação, devo ter aprontado muito na outra (risos).
DM: E foi uma mensagem de um desencarnado, o grande maestro Eleazar de Carvalho, que no sonho o chamou para reger, transformando novamente sua carreira. Como esse sonho passou a uma realidade de tanto sucesso em tão pouco tempo?
JCM: Eu tive um sonho com ele às 3 horas da madrugada, às 7 horas da manhã, tomei minha primeira aula de regência aos 64 anos, e de lá para cá, nesses sete anos, já realizei mais de mil concertos — não só em todos os grandes teatros do Brasil, como em alguns dos principais teatros do mundo, mas também nas comunidades, nas favelas, em regiões com pessoas profundamente carentes, mostrando como a música pode fazer diferença nas suas vidas.
DM: Como é o trabalho na Febem?
JCM: É muito emocionante. Na véspera de Natal, aqueles que estavam com liberdade assistida, me deixaram uma carta, escrita: “Tio maestro, Feliz Natal. A música venceu o crime”.
DM: Essa foi parte da mensagem divina que recebeu, de se tornar mais do que um grande maestro?
JCM: Não, mas eu assumi a responsabilidade social também.
DM: Sua última reinvenção — da recente cirurgia no cérebro — foi de uma coragem inigualável. Por que correr o risco?
JCM: Como meu processo é degenerativo, o braço esquerdo já estava vindo cada vez mais para trás. Então a razão da cirurgia foi abrir o braço. E abriu o braço esquerdo no dia seguinte. Mas durante a cirurgia, que demorou nove horas e meia com Paulo Niemeyer [neurocirurgião], ele pediu para eu abrir a mão, e eu abri. Há 10 anos, eu não abria a mão esquerda. Aí, eu comecei a sonhar se quem sabe ainda toco com a mão esquerda novamente.
DM: Essa é a meta?
JMC: Voltar a tocar com a mão esquerda é o sonho. A meta não sei, mas o sonho é esse. Você corre atrás de um sonho, e, quando menos espera, o sonho corre atrás de você.

Maestro ao lado de Carmen, sua adorada – e adorável – esposa, no camarim do Broward Center for the Performing Arts
DM: Tem tantas fundações no mundo, a maioria com falta de verba e dificuldade para arrecadar. Por que a Fundação Bachiana Filarmônica, que o senhor fundou em 2006, dá certo?
JCM: Porque é uma fundação que trata tudo com a palavra amor. Hoje, estamos com 2200 crianças e o resultado que temos obtido é monumental. Os nossos professores tratam cada criança como se fosse um filho. Eu digo que essas crianças são meus bisnetos.
DM: Como é o processo de seleção dos músicos? Como descobre os talentos?
JCM: Quando você começa a educar uma criança, tem quatro partes: aquelas que, no futuro, vão fazer parte do público, as que vão ter a música como hobby, outras que poderão tornar-se músicos profissionais, e, finalmente, os diamantes a serem lapidados. O [jovem tenor] Jean William é um diamante a ser lapidado. De vez em quando, você encontra o diamante.
DM: E como o diamante é descoberto?
JCM: Para descobrir um diamante é muito simples. Se consegue unir ao talento, a genialidade e a disciplina, você está com um diamante.
DM: O que precisa para se tornar um João Carlos Martins?
JCM: Eu acho que como pianista, a obra de [Johann Sebastian] Bach, eu deixei um legado importante. Como regente, iniciei uma nova carreira. Já tem coisas que tem saído maravilhosamente bem, como a Nona Sinfonia de Beethoven no Ibirapuera [uma apresentação recente com sua orquestra Filarmônica Bachiana SESI-SP]. E tem outras coisas que você tem que ter a humildade para ir aprendendo. Se erro um gesto nos ensaios, eu falo para os músicos: “olha, acho que aqui não está muito bom. O que acham?” Você só consegue dar um passo pra frente quando há humildade – a humildade interna, dentro de você, funciona e te ajuda a você não ter vergonha de pedir um conselho e ter liderança pra mostrar aquilo que você quer.
DM: Já existe na sua mira o próximo João Carlos Martins?
JCM: Basta encontrar uma pessoa que quebre o braço, a perna, que toque piano e não consiga mexer as mãos, esse é o próximo (risos). Eu estou com 71 anos, e pode ter certeza que em 10 anos, a fundação vai fazer parte da historia da música no mundo. Eu vou começar, agora, um trabalho para formar mil orquestras jovens no Brasil.
DM: E em Miami? Vai lançar uma orquestra para jovens brasileiros aqui?
JCM: Você está lançando esta ideia. É uma ideia maravilhosa. E não só na Flórida, mas em outras comunidades brasileiras fora. Só tem uma regra: disciplina de um atleta, e alma de um poeta. E assim, você forma um músico.
DM: O que esse prêmio, que seria a categoria mais importante do “Oscar”, representa para o senhor, que já ganhou tantos na vida?
JCM: Um prêmio que você recebe no Brasil, de brasileiros, tem muita força para você, mas quando recebe de brasileiros que vivem no exterior, une o amor com as saudades, então esse prêmio tem um significado bárbaro para mim.

Outro prêmio “Lifetime Achievement” da noite foi para o grande escritor amazonense Milton Hatoum, aqui ao lado do lutador de boxe Michael Oliveira e Embaixador Hélio Ramos
DM: Existe algo que gostaria de fazer, e ainda não teve chance?
JCM: Ainda não abri uma Copa do Mundo.
DM: A coluna Direto de Miami tem como tradição uma questão central: o segredo do sucesso. Mas o senhor supera todos, o herói da superação, como diz minha mãe. Qual seu segredo?
JCM: O segredo é que o sinônimo da palavra dor é esperança.
E sua esperança de voltar a tocar piano nos palcos do mundo passou a ser realidade com uma breve apresentação surpresa no fim da premiação no Broward Center for the Performing Arts ao lado do jovem Jean William, 25 anos, que com sua voz de tenor, fez a plateia delirar, ao cantar “My Way”.
Jean William também falou com exclusividade ao Direto de Miami.

Jean William descontraído ao lado do “padrinho” profissional no hotel em Fort Lauderdale na manhã da apresentação
Direto de Miami: Como foi seu primeiro encontro com o maestro?
Tenor Jean William: A primeira vez que me recebeu em sua casa, ele falou, “nome bonito você tem, agora vamos ver se você canta”. Eu tinha 23 anos. Cantei, ele gostou bastante a ponto de me colocar para cantar para 2 mil pessoas no outro dia. Foi uma experiência muito gratificante.
DM: Qual a música que mais lhe emociona cantar?
JW: Una furtiva lagrima da ópera L’Elisir d’Amore, e, na música popular, é “My Way”.
DM: “My Way” (“Meu Caminho”) tem algum significado especial para você?
JW: Em muitos aspectos. Tive uma historia de vida, não digo que infeliz, mas fui criado pelos meus avós. Meu avô era boia-fria, minha avó faxineira de um hospital. Mas mesmo com as dificuldades, sempre houve muito amor dentro de casa. Meu avô é músico, toca violão. “My Way” conta um pouco do meu caminho. Meu avô, acredito, que se realize um pouco em mim. Infelizmente, não teve a oportunidade de se transformar num artista de verdade, e, poder saber que o neto está levando esse legado, para eles, é motivo de orgulho.
DM: E aonde esse caminho o está levando?
JW: Quero chegar nos grandes palcos do circuito internacional de ópera, ser um artista realmente da grande arte.
*Assista ao video do maestro João Carlos Martins tocando “My Way” no piano do Broward Center for the Performing Arts, com o tenor Jean William e violinista Dorin Tudoras:
* Texto originalmente publicado pelo portal de notícias iG.com.br na coluna Direto de Miami
Categories: Direto de Miami
Leave a Reply